A engenharia brasileira e o risco da desnacionalização

A engenharia brasileira e o risco da desnacionalização
Artigo de Francis Bogossian
Publicado no dia 27/01 no Jornal do Commercio, editoria Opinião
 
A engenharia brasileira precisa estar unida para não sucumbir a esta crise sem precedentes instalada entre nós pelo escândalo de corrupção na Petrobras. Não se pode permitir que fatos de tal gravidade coloquem em risco a engenharia nacional, indutora do desenvolvimento econômico,  comprovadamente capacitada para atender a qualquer grande empreendimento no país e no exterior.
 
Todas as denúncias de corrupção devem ser investigadas e os responsáveis punidos através da aplicação das penalidades previstas na legislação brasileira. É necessário resgatar a confiança, a credibilidade e o respeito que a Petrobras e seus funcionários adquiriram ao longo dos seus mais de 50 anos de serviços prestados à nação brasileira.
 
A corrupção não pode ser um pretexto para a abertura indiscriminada do nosso mercado aos produtos e serviços estrangeiros, fragilizando as empresas brasileiras e, até mesmo, fazendo-as sucumbirem, como se viu ocorrer em outros países, inclusive produtores de petróleo. A engenharia brasileira desenvolveu know how, que tornou suas empresas altamente competitivas. Não à toa, elas constroem pelo mundo inteiro.
 
O desenvolvimento da Nação não pode prescindir da participação da Petrobras e das empresas de engenharia, cujo risco de esmagamento, face aos erros cometidos, pode levar a um drástico impacto na economia nacional e na responsabilidade social. 
 
É preciso ter a lucidez de diferenciar as imprescindíveis ações a serem tomadas contra os crimes cometidos e a indispensável continuidade da operação das antigas empresas de construção nacionais, as quais são insubstituíveis, sim, já que reúnem o acervo técnico histórico de toda a infraestrutura brasileira.
 
Ignorar tal fato será desconhecer a competência técnica da engenharia nacional nos melhores momentos da História recente; poderá significar a desmobilização de equipes de experiência e renome desenvolvidas por anos e décadas; será subestimar engenheiros, que assinam obras de envergadura, que são sinônimos do desenvolvimento brasileiro;  condenar ao desemprego currículos consagrados, juntamente com uma multidão de técnicos de nível médio, bem como retirar o pão da mesa dos pobres e dedicados trabalhadores da construção pesada, que formam a mão de obra dita não especializada do país. 
 
A Constituição de 1988, no seu artigo 171, guardava regras jurídicas que, em tese, visavam inibir a participação de sociedades empresariais estrangeiras na atividade econômica nacional. Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 06, em agosto de 1995, este artigo foi suprimido, mudando essas regras e facilitando o ingresso indiscriminado de sociedades empresariais estrangeiras em nosso país.
 
As empresas estrangeiras são bem-vindas para a transferência de tecnologia e de conhecimento, desde que associadas a empresas genuinamente nacionais, dividindo com elas, até equalitariamente, o capital social, e não simplesmente competindo de forma desigual e predatória, muitas vezes ofertando inicialmente preços reduzidos, para em seguida dominarem o mercado e passando a ofertar o preço que bem entenderem, como temos visto acontecer aqui no Brasil e no mundo. 
A política de conteúdo local, lançada nos anos 2000, e que faz parte de um Conjunto de Políticas Públicas do Governo Federal elaborado para ampliar a participação da indústria nacional no fornecimento de bens e serviços, tem como principais objetivos o incremento da participação da indústria nacional em bases competitivas, o aumento da capacitação e do desenvolvimento tecnológico nacional, o crescimento da qualificação profissional e a geração de emprego e renda. 
 
Esta política salutar para a engenharia nacional e que, diga-se de passagem, é adotada em diversos países, vem sendo atacada sob o pretexto de que é necessário aumento de competitividade, redução do custo das obras e a diminuição dos riscos de corrupção. Ora, as notícias que circulam diariamente mostram que a prática da corrupção e da formação de cartéis não é “privilégio” das empresas nacionais. Nos leilões do pré-sal tivemos uma amostra grátis de como funcionam empresas de outros leilões para vencer as concorrências. Isso para não citar outros casos em São Paulo, devidamente denunciados e apurados.
 
Fato é que, contrariando a corrente defensora da revogação destas políticas, nossas empresas construtoras têm demonstrado alta competitividade e desempenho, vencendo concorrências importantes em diversos países competindo com as maiores empresas construtoras do mundo, entregando obras com qualidade, nos prazos e custos estabelecidos. A exemplo da Petrobras há toda uma cadeia de produção montada para a melhor prestação possível dos serviços.
 
Os episódios lamentáveis de corrupção na Petrobras não podem servir de pretexto para mudanças nas políticas voltadas para o desenvolvimento da engenharia genuinamente brasileira. É indispensável impulsionar o conjunto de forças hoje ainda dispersas da engenharia nacional, integrando empresas, institutos de pesquisa, academia e órgãos governamentais para o fortalecimento dos processos de gestão, pesquisa, desenvolvimento e inovação. 
 
Precisamos defender os engenheiros, técnicos e pesquisadores brasileiros, pois o conhecimento é um dos pilares do desenvolvimento econômico-social sustentável de uma nação. Não podemos abrir mão de uma política pública responsável e nacionalista. A desnacionalização da engenharia brasileira é uma ameaça à soberania nacional.
 
Francis Bogossian é presidente do Clube de Engenharia – Brasil 
e membro das Academias Nacionais de Educação e Engenharia

4 Replies to “A engenharia brasileira e o risco da desnacionalização”

  1. Cara, a minha dúvida hoje é: Diante de tantos roubos, é natural que sejam punidos as pessoas e as empresas envolvidas. Até porque um dos problemas do Brasil era a punição de apenas um dos lados dessa moeda.
    Porém, a punição das empresas vai causar uma desqualificação das mesmas para participarem de novos editais. Ou seja, todas as empresas nacionais sairão do circuito e darão lugar a multinacionais.
    Esse meu comentário não tem respostas, apenas perguntas que eu ainda não sei responder….
    Mas será que as empresas de fora, diante da situação “Ou entra no esquema ou não entra na licitação”, iriam ter posicionamento diferente das que estão aqui?
    Ou seja, a gente vai perder as empresas nacionais para dar lugar a estrangeiras numa situação em que provavelmente nenhuma empresa sairia limpa na história?
    Qual o limite do nacionalismo, protencionismo e etc? Percebe como esse meu discurso quase que legitima o “Quem faz o ladrão é a oportunidade”? Esse é o problema, duvido muito que a ganância diante da perspectiva de lucro faça alguma empresa se negar a fechar um contrato esquisito com uma Petrobras da vida. De forma nenhuma apoio os esquemas, roubos e etc… Corrupção é o único crime que me faz considerar a pena de morte, num primeiro momento, até eu lembrar que sou contra pena de morte heheehhe. É ela quem gera 99% dos males nacionais.
    Mas fica ai um tema legal que eu gostaria de ver o posicionamento de mais gente porque definitivamente não tenho opinião muito consolidada sobre isso…

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